Som é vibração

Recentemente em casa apareceu um novo objeto; ele é um “Singing Bowl”, ou Tigela Cantante. É parente estreito dos sinos de nossas igrejas e igual a eles é uma peça em bronze. Como tantas outras coisas sinos originaram-se na China e suas primeiras notícias vem de 3000 anos AC. Aparentemente sua história está bem estabelecida, como era de se esperar para tão conhecido objeto. 

A Tigela cantante (TC) é uma peça em forma de tigela mesmo, utilizada em sessões de yoga, cura pelo som, meditação e cerimônias religiosas orientais. De sua origem porém, não há muita certeza. É conhecida como TC Tibetana, implicando ser este o país de origem. Outros artigos dão primazia ao Nepal e Índia, de onde teria migrado ao Tibet. Outros ainda, citam a Mesopotâmia e 7000 anos atrás como lugar e época de nascimento do objeto. Lembrando que essa região mantinha intenso comércio com o resto do mundo, tendo mesmo chegado até a China e Índia, é possível que seja tão antiga.

Metalurgia e fabricação

Igual aos sinos as TC´s são feitas de bronze, que é uma liga cobre-estanho (Cu-Sn); Bronzes comerciais tem composição próxima a 93 Cu-7 Sn (em % peso). No entanto, por razões acústicas, tanto TC`s como sinos utilizam teores de Sn bem mais altos – a composição típica é: 77 Cu-23 Sn. Na literatura das Tigelas é comum ler que elas são compostas por sete metais: ouro (Au), cobre (Cu), prata (Ag), estanho (Sn), ferro (Fe), mercúrio (Hg) e chumbo (Pb), cada metal sendo associado a um planeta. 

Uma análise química feita pela University of Concordia (Canadá), mostrou a seguinte composição em % peso:

CuSnPbZnFeAuAgHg
77220,040,010,14< 0,010,03< 0,02

< = menor que

São oito elementos, mas pela baixíssimo conteúdo é óbvio que não foram adicionados mas estão acidentalmente na peça. De fato, os minérios dos quais Cu e Sn são obtidos contém impurezas (como todos os minérios); apesar dos processos de mineração e beneficiamento pequena parte dessas impurezas permanece no metal final. Assim, o Cu contém Zn e Fe como impurezas; igualmente o Sn contém Pb e Fe, e sabe-se que no Pb há pequenos teores de Au, Zn e Ag (aliás, extrair Pb só vale a pena pela presença de Ag). Portanto, a história dos sete metais é apenas uma lenda que acresce ao misticismo do produto, ou então o resultado de alguma análise química apenas qualitativa, ou seja, que só verifica a presença do metal mas não sua quantidade. Leem-se notícias de TC fabricadas com até 12 metais, mas certamente são, ou lenda, ou fruto do desconhecimento da composição dos minérios de Cu e Sn.

As TC´s são fabricadas pelo processo conhecido como fundição, que implica em aquecer Cu e Sn juntos até sua liquefação completa, que ocorre a 875graus Centígrados (oC), bastante alta, pois. Superaquece-se esse líquido até, talvez uns 950oC e vaza-se em um molde com a forma de uma peça de TC invertida. Quando fria, a TC é martelada para aumentar sua dureza.

Fundição de uma peça em molde de areia

Acústica

Som é o produto da vibração ao ar de um corpo rígido. Borrachas praticamente não produzem som, e um sino no vácuo também não. O som é produzido pelo ar, que rapidamente se comprime e se expande. Tal como uma casa é caracterizada como grande ou pequena dependendo de sua área (em metros quadrados), som é caracterizado como grave ou agudo por sua frequência, que é o número de vibrações por segundo da peça que o emite (em Hertz – Hz);

Alto Hz – muitas vibrações/segundo – som agudo

Baixo Hz – pouca vibrações/segundo – som grave

(Claro que tanto casas como sons necessitam de vários atributos para serem completamente caracterizados: acabamento, número de quartos, etc., para o imóvel; intensidade – som alto ou baixo- etc., para som, mas fiquemos aqui só com a frequência).

Vimos que tanto TC´s como sinos são bronzes com alto teor de Sn e a metalurgia mostra que assim eles tem maior dureza do que aqueles com a composição padrão. Isso porque com maior dureza menor é a atenuação do som no material. De modo bem simplificado podemos dizer que bronzes com 22% de Sn tem baixíssimo atrito interno, fenômeno que dissipa a energia externa fornecida pelo choque do bastão.Vice versa, borrachas o têm alto.

Isso explica por que o som de TC´s, continua por um certo tempo após iniciado.

O som, quaisquer seja o objeto que o produz nunca é puro, ou seja formado por uma vibração com uma só frequência, mas é constituído por uma mistura de frequências denominadas harmônicas e que constituem o timbre. Na voz humana é o timbre que nos faz reconhecer a pessoa que está falando – cada pessoa tem seu timbre específico.

Para alguns, a característica mais marcante da TC é o som que produz quando invés de uma percussão isolada, faz-se contra a borda da tigela um movimento circular com o bastão. Em poucos segundos o objeto inicia a produzir um som puro, descrito por alguns como capaz de reduzir ansiedade, preparar para um bom sono, aliviar dores, cancelar os pensamentos – requisito básico para a meditação – remover bloqueios psíquicos, e muitos outros efeitos. Esse som é produzido quando a TC entra em ressonância. Segundo a região tocada, se lateral ou na borda da tigela, ouvem-se sons diferentes.

Som de um TC tocado no modo ressonância, com comprimento de onda constante (vídeo muito longo)

Ressonância é o fenômeno físico segundo o qual um sistema oscilante é capaz de absorver quase integralmente a energia vindo de uma fonte externa (uma vibração, por exemplo), quando a frequência dessa fonte coincide com a frequência de oscilação natural do sistema. A ressonância gera o “produto” mais precioso da TC, um som puro com comprimento de onda definido, com valores entre 100 e 600 Hz.

Efeitos

Os sons – portanto as vibrações – emanados das TC´s produzem efeitos fisiológicos benéficos, objeto de estudos científicos que partem do conhecimento da existência e comportamento de ondas cerebrais eletromagnéticas conectadas a diferentes estados de consciência. Por exemplo, sabe-se que em estado normal o cérebro produz ondas tipo beta, e que na meditação aparecem ondas alfa.seguinte estudo: –

Kim, S_C., Choi, M-J., O som de uma Tigela Cantante sincroniza nos ouvintes ondas cerebrais levando à meditação? (Tradução livre), Int J Environ Res Public Health. 2023 Jun; 20(12): 6180.

– O objetivo do estudo é verificar se o som de uma TC entre em sintonia e ativa ondas cerebrais durante a audição. Isso é muito relevante, pois sabe-se que estados de meditação e de sono profundo estão associados a ondas teta e delta, respectivamente. Foi verificado que para 17 indivíduos expostos ao som cadenciado de um TC operando na faixa teta (6,68 Hz), as ondas cerebrais passaram a atuar na mesma frequência. Os participantes relataram ter experimentado estados de meditação, de relaxação e estabilidade psicológica.    

Observação: alfa, beta, etc. são faixas de frequência (Hz) das ondas cerebrais, determinadas no eletroencefalograma.

Quanto aos efeitos fisiológicos / mentais ou emocionais/ espirituais das TC, invés de simplesmente citá-los, é melhor recorrer a um recentíssimo estudo científico, que os resume: – 

Seetharaman, R., Avhad, S., Rane, J. Explorando o poder de cura das tigelas cantantes: um resumo dos resultados-chave e benefícios potenciais (Tradução livre).Explore (NY), 2024 Jan-Feb;20(1):39-43.

– cuja conclusões são as seguintes:

Estudos mostraram que meditação ao som das tigelas cantantes pode produzir respostas fisiológicas e psicológicas reduzindo efeitos negativos, além de melhorar a pressão sanguínea, frequência cardíaca e respiratória. Meditação por tigelas cantantes pode ser uma técnica efetiva de baixo-custo e baixa-tecnologia, na redução de condições de stress, ansiedade e depressão, enquanto promove bem estar espiritual. No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar os efeitos de longo prazo, assim como potenciais aplicações clínicas.

O objeto está agora em casa, fazendo boa figura de sisobre a mesa de jantar, com sua bonita cor brônzea. O bastão está dentro da tigela e depois dessas tantas palavras está à espera de finalmente ser utilizado. Vamos lá.

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