São tratados alguns aspectos da superinteligência artificial, seguindo capítulo inicial do livro de Nick Bostrom. Definição, tipos de superinteligência, e caminhos para sua emergência são apresentados e discutidos, com ênfase para o modo biológico de produzir superinteligência em humanos. São mencionados alguns aspectos éticos dessa opção, além dos já visíveis perigos da atual inteligência artificial
A inteligência artificial – IA – está hoje na mente e ao alcance dos dedos de meninos de escola. Em ‘Neurônios versus transistors’ falamos de sua versão “inteligente” que debuta com automação industrial, logística, estoques, e ascende a atividades mais complexas como finanças, Direito, comércio, medicina, processos decisórios, enfim atividades típicas de colarinho branco.
Um salto de qualidade foi realizado com a IA Generativa- IAGen – capaz de criar conteúdo original, textos, vídeos, sons e até mesmo códigos-fonte de software. E com mais trabalho e inovação a IAGen vai alcançar a inteligência humana e seguir para a chamada superinteligência, definida por Nick Bostrom como: “qualquer intelecto que supera com folga o desempenho cognitivo de humanos em praticamente todos os domínios de interesse”.
O que está a seguir foi extraído (com minhas palavras, não com IA!) de uma pequeníssima parte do livro de Nick Bostrom “Superinteligência, caminhos, perigos, estratégias”, publicado (1a Ed.) em 2014 mas ainda atualíssimo pois escrito adiante de seu tempo.
A primeira pergunta que devemos nos fazer, é: o que é superinteligência? Três são suas “variantes”:
- Superinteligência por velocidade – um sistema que faz tudo que humanos fazem, mas com velocidade muitas ordens de magnitude maior (10, 100, 1000 X….);
- Superinteligência coletiva – soma de um grande número de pequenos intelectos, cada um dedicado a um domínio do conhecimento;
- Superinteligência por qualidade – rápida como a dos humanos mas com capacidade cognitiva imensamente maior.
A segunda pergunta é – como alcançá-la. Segundo Nick existem três caminhos, a saber:
- Inteligência artificial – é a inteligência de máquina baseada em softwares mais potentes que os atuais. Evolução da IAGen: capacidade de auto aperfeiçoamento e auto aprendizado (ver figura abaixo);
- Emulação completa do cérebro humano – escanear e modelar digitalmente a estrutura neural do cérebro humano e transformá-la em software;
- Melhoria cognitiva por meios biológicos – é o nosso tema principal, ver adiante;
- Redes e organização – muitas máquinas e homens trabalhando juntos, compondo “inteligência coletiva”.

Esquema da evolução para superinteligência. As setas simulam o processo chamado “argumento para aceleração”, que é o efeito de retroalimentação que a AI pode fazer para seu próprio desenvolvimento. A figura foi reproduzida do meu post “Neurônios versus transistors”, e adaptação ao presente tema pede substituição da ‘inteligência humana ‘para’ inteligência nível IAGen’.
Assumindo que esses quatro caminhos sejam viáveis surge a terceira pergunta: qual o mais rápido?
Segundo o autor, a rota IA é a mais trilhada e rápida, e provavelmente será a vencedora. A segunda via – emulação completa do cérebro humano – é tarefa imensa, mas não invencivelmente complexa; imaginem que secções de um cérebro humano previamente vitrificado, devem ser reduzidas a espessuras da ordem algumas centenas de nanômetros (1nm = 0,0000001mm!), atacadas com reagentes específicos para revelar finos detalhes da estrutura neural e fotografadas em microscópios eletrônicos de transmissão ou de varredura. Uma vez escaneadas essas fotos devem ser processadas como imagens em 3D formando a rede neural completa; para economia de tempo haverá necessidade de uma bateria de microscópios eletrônicos. Por fim, a imagem é inserida em um supercomputador que vai reproduzir digitalmente o cérebro original, mantendo memória e personalidade intactas. Este software poderá ser associado a um sistema de realidade virtual, ou interagir com o mundo via membros robóticos.

Micrografia eletrônica de transmissão de cérebro humano mostrando várias sinapses. [Barra = 2 micra (0,002 mm). Fonte]
A quarta via, redes e organização já está sendo trilhada, mas Nick duvida que leve muito longe. Mas é a terceira via – o modo biológico – a que desperta maior estranheza, para não dizer espanto, por atuar diretamente sobre o ser humano. Nick chama essa etapa de cognição biológica; seu objetivo é a produção de humanos biologicamente avançados com respeito ao padrão normal. Primeira sub-via: a natural – educação e treinamento de alta intensidade, alimentação especial desde a infância, remoção de poluentes, etc. Obviamente, o caminho a ser percorrido por várias gerações em aperfeiçoamentos sucessivos com duração típica de 20 – 25 anos cada – é proibitivamente longo e incerto. Uma segunda sub-via seria a da melhoria biomédica, utilizando fármacos que aumentem memória, concentração, etc. Essa rota ignora a complexidade do cérebro humano e a importância do desenvolvimento ainda no embrião (estado inicial de um organismo) e infância, além da influência do meio – portanto também não iria muito longe. A opção seguinte é a engenharia genética, que atua sobre gametas (células sexuadas para reprodução humana: espermatozoide e óvulo) ou embriões. Isso se chama manipulação genética, já praticada em clínicas de fertilidade e para detectar certas doenças desde o estágio embrional.
A dificuldade do método está em relacionar a arquitetura genética com o comportamento e cognição humanos, o que requer estudos sobre um grande número de indivíduos. Muito resumidamente o que se faz é: (i) selecionar embriões com características genéticas favoráveis; (ii) destes produzir mais embriões via extração de gametas dos embriões iniciais, e selecionar o resultado; (iii) repetir o processo, acumulando assim os traços genéticos favoráveis. Dessa forma é possível obter várias gerações em poucos anos; o produto final são pessoas altamente inteligentes que se em grande número vão formar a superinteligência coletiva.
Esse caminho tem o inconveniente da lentidão geracional; via mais rápida é a utilização de técnicas já existentes embora ainda não aplicadas a humanos, para editar ou mesmo sintetizar o DNA de embriões, introduzindo alelos (variantes genéticas que determinam traços físicos ou de personalidade, por exemplo, cor dos olhos, tipo sanguíneo, inteligência) relacionados com habilidade cognitiva superior.

Representação simples de manipulação genética: inserção de alelos. Na figura, alelos relacionados com cor dos olhos e inteligência.
De um modo ou outro esses processos geram crianças, que devem crescer, estudar e amadurecer. Uma vez alcançada a idade produtiva esses seres, superinteligentes ou quase, vão acelerar sobremaneira os caminhos que conduzem à explosão da superinteligência.
Tudo isso tem cheiro de nazismo, e não há espaço aqui para enumerar os problemas sociais, emocionais e familiares envolvidos nas técnicas de melhoramento biológico. Não esqueçamos que depois do embrião vem a fase infantil; são crianças que devem ser adotadas por casais normais que vão educar um ser superinteligente ou quase. Como serão as relações nessa família? Que influência terá a quase certa inversão hierárquica causada pela diferença de capacidades cognitivas? Ou alternativamente serão enviados a instituições especialmente desenhadas para aprimorar sua inteligência?
Fico por aqui; o livro de Nick Bostrom continua por mais 300 páginas sobre os perigos da superinteligência que segundo ele incluem a extinção da espécie humana. No dia a dia, perigos menos apocalípticos já se delineiam, por exemplo: (i) enxurrada de fake news por ocasião de eleições podem inviabilizar esse fundamento do regime democrático, e com ele o próprio regime; (ii) envolvimento doentio homem-chatbox; (iii) impossibilidade de avaliação de alunos que apresentam ensaios e trabalhos dignos de eternização nos anais da cultura universal.
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