A bomba de combustível fez “click”, a mangueira deu um tremilique e a gasolina parou de fluir.
– Quanto?
– Cento e noventa. Levei o carro até o estacionamento da conveniência, e enquanto andava em direção à entrada pensava: “cento e noventa, será que o que o carro me entrega equivale a cento e noventa reais? Ou uma parte disso se vai em calor, em fumaça? Sim, por que eu li que o rendimento de um motor a gasolina está entre 20 e 30%.
Na volta, em frente ao carro vi uma latinha de óleo que afastei com o pé para não passar por cima. Mas a latinha iniciou a rodar sobre si, a tampa caiu e uma fumaça estranha começou a sair.
Da fumaça foi se construindo uma forma humana, cada vez mais definida, até que eu estava face a face com um baixinho vestido como um frentista de posto de gasolina. E ele começou a falar:
– Sou o Gênio da lata de óleo. Você me libertou, e em agradecimento vou realizar todos os seus desejos.
Sou uma pessoa calma e tranquila, e nada me assusta – tenho também um grande senso de oportunidade. Olhei para o meu carro, um Corsa 2018, e imediatamente disse:
– Transforme isso em um Porsche Cayenne
– Imediatamente, um híbrido, pois não?
– Sim, sim
Saímos dali, viramos numa estradinha secundária e saí dela ao volante de um Cayenne. Continuei dirigindo e ele comigo, me explicando as características do carro, 300 km/h, preço um milhão, rendimento dos motores elétricos 80% …
Mas o ser humano quer tudo e algo mais – aí eu disse: “transforme a eficiência em 100%, tanto do motor a gasolina como dos elétricos”.
– Ah, isso eu não consigo!
– Por que? Você não disse que iria me dar tudo o que eu quiser?
– Sim, mas não posso ir contra a segunda Lei; é impossível
– Segunda lei? Que segunda Lei é essa?
- Segunda Lei da Termodinâmica, e o conceito de entropia. . O que o meu senhor está querendo é o moto perpétuo; um processo qualquer com rendimento 100%

Exemplos de “moto perpétuo“: gravidade e gerador/motor elétrico
– Me explica por que é impossível, e o que a entropia tem a ver com moto perpétuo e rendimento 100%.
– Bem, todas essas coisas são interligadas. Iniciemos com entropia, que é a medida de ordem de um sistema. É possível provar que em qualquer processo espontâneo irreversível a entropia sempre aumenta. E todos os processos reais são irreversíveis, e não se invertem sem uma ação externa. Exemplo de processos irreversíveis: as coisas caem na direção do centro da terra, não “caem” afastando-se dele; em uma barra de aço com uma extremidade quente A e outra fria B, o calor vai de A para B e não na direção inversa; na fusão do gelo os átomos que se organizavam em cristais hexagonais simétricos, ficam agora dispersos e desordenados. Em todos esses exemplos a entropia aumenta. Note, meu senhor, que os processos inversos são impossíveis sem ação externa; provocariam diminuição de entropia o que nunca acontece. Claro, no motor de uma geladeira o calor vai do frio para o quente e há diminuição de entropia no condensador, mas temos que injetar energia da tomada, e entropia vai ser gerada em outro lugar. Além disso o motor da geladeira aquece o ar da cozinha – o que aumenta a entropia do sistema geladeira / cozinha.

Fusão do gelo (DS > 0 significa “variação de entropia (S) maior do que zero; isto é, a entropia aumenta)
– E qual a importância desse aumento de entropia? Pelo visto todos os processos reais são irreversíveis.
– Chego lá. Quando a entropia aumenta uma certa quantidade de energia torna-se permanentemente indisponível para gerar trabalho. A energia não é perdida, mas sua natureza é alterada, de modo que uma parte dela nunca pode ser convertida para gerar trabalho. Veja meu amo, a definição de entropia é: entropia é a medida da desordem de um sistema. E desordem é o default – muito mais provável do que a ordem, que é artificial e temporária. Por exemplo, jogar um monte de tijolos num canto não vai formar uma parede de tijolos, o que seria altamente improvável.
– Mas o que ordem – desordem tem a ver com energia?
– É que um sistema desordenado tem menos “qualidade” de energia, menor capacidade de fornecer trabalho por que ele tem um maior número de microestados – que são arranjo de átomos, e maior entropia. A energia é difusa, menos organizada. Mas pega um sistema ordenado, de baixa entropia; aí a energia é mais concentrada e organizada, tornando mais fácil transforma-la em trabalho.
– Entendo isso, mas não vejo por que não podemos ter moto contínuo.
– Qualquer processo real – ou seja, irreversível – gera entropia; por exemplo o atrito no mancal do eixo de uma máquina gera resistência mecânica e calor, que equivale a aumento de entropia. Isso por que o calor é uma forma de energia desorganizada que não pode ser integralmente convertida em trabalho.
Enfim, a entropia gerada é energia perdida que deve ser compensada de fora do sistema, por exemplo, dando um empurrão na roda, etc. E aí não temos moto contínuo, não é?
– E no meu carro, por que não posso ter eficiência 100%?
– Meu amo, isso equivaleria a moto contínuo – é um pouco mais complicado mas vou explicar. Seu motor está esquematizado na figura, junto com o corte de um motor real à direita. Como vê, é tomada uma certa quantidade de calor Q1 de um reservatório quente, na temperatura T1, ele toca um motor que gera energia para as rodas W, e uma quantidade de calor Q2 é enviada a um reservatório frio na temperatura T2.
– O que são esses reservatórios?

Esquema de motor térmico e corte de motor real. [Q = calor; W = trabalho; T = temperatura; J = Joule (unidade de energia e de calor); K = graus Kelvin (graus centígrados + 273 = graus Kelvin)
– No motor real, o reservatório quente é a queima do combustível e o frio é o ambiente externo, que está a 25 graus centígrados. Aqui entra a entropia e acho que o senhor, meu mestre, vai entender melhor essa relação entropia / calor a partir da famosa expressão:
dS = q / T
onde S é entropia, q calor trocado durante o processo e T temperatura na qual ocorre o processo. dS significa “variação de entropia”. O que acontece então: Na fonte quente a entropia diminui de um S1. Diminui por que o calor Q1 está saindo do reservatório quente. E no reservatório frio a entropia aumenta de um S2; aumenta porque o calor está entrando. Fique o senhor perto do escapamento do seu Porsche, e sentirá o calor saindo do carro e entrando no ambiente. Agora preste atenção e note que quanto menor T, maior vai ser a produção de entropia. Utilizando os dados da figura e usando a fórmula dS = q/T temos que na fonte quente a entropia diminui de 1,67. A conta é: -1000 dividido por 600, igual a – 1,67. O sinal menos aparece por que o calor está saindo. Na fonte fria a geração de entropia é igual a + 2. Somando uma com outra dá +2 – 1,67 = + 0,33 que é o aumento de entropia gerada e jogada no universo. Enfim, o aumento de entropia é causado pela transferência irreversível de calor do reservatório quente para o frio. Além disso há uma geração adicional de entropia devido ao atrito das peças do motor, pneus no asfalto, etc. Tudo isso resulta em aumento de entropia do universo. É por isso que não consigo cumprir seu pedido de eficiência 100%
– E os motores elétricos?
– Aí também tem atrito, calor, entropia; tudo igual …
– Me interessou esta história do universo
– É que em milhões de anos, com a atividade de indústrias, veículos, queima de combustíveis fósseis, etc. a entropia vai aumentar até que não haja mais disponibilidade para realizar trabalho. O universo entra em morte térmica e cessa toda atividade vital.
– Então meu Porsche contribui para isso.
– Sim, e muito – seu alto consumo de combustível, o atrito dos enormes pneus…
– Ah, então devolve meu Corsa
– Meu amo, a morte térmica do universo vai demorar muito; se quiser posso se explicar o papel da entropia em muitas coisas: na teoria de informação, na morte do universo, no sentido do tempo …
– Legal; então me conta, como é que essa tal entropia …