Já tenho isso?

Um dia eu estava percorrendo a rodovia Washington Luiz; iniciavam as horas de chumbo do fim de tarde, escurecidas mais ainda pela chuva que lutava contra os limpadores de para-brisa.

Tinha aumentado a atenção e diminuído a velocidade, assim tive tempo de vê-lo: no sentido oposto ao meu andava pelo acostamento um homem com um minúsculo pacote na mão, a roupa encharcada e suja de barro, Olhava para frente e parecia não sentir a chuva. Pensei: ESTE HOMEM NÃO POSSUI NADA.

Continuei a viagem, um rasgo azul se abriu nas nuvens, a chuva diminuiu e consegui relaxar um pouco e deixar o pensamento correr. Comecei a enumerar as coisas que eu tinha àquela altura da vida.

Uma casa, um carro e uma camionete velha. No quartinho dos fundos moram duas bicicletas e um velho triciclo guardado por razões sentimentais. Uma gentil e generosa jabuticabeira me doa seus frutos duas vezes por ano, e outras plantas me oferecem flores.

Ainda no quarto dos fundos, caixas de papelão vazias mantidas para que numa eventual mudança possam abrigar o aspirador de pó, o ventilador e dois ferros de passar roupa. Depois tem duas caixas de ferramentas enferrujadas, com sei lá o que tem dentro. Também dois cortadores de grama, um quebrado, mas que talvez tenha conserto. Outra coisa quebrada é um ventilador de teto retirado de uns dos quartos.

Lá fora a máquina de lavar roupa, um carrinho de mão, o varal, um monte de pregadores de roupa e vassouras penduradas na porta do quartinho. Baldes de plástico e duas mangueiras de jardim. Algumas cadeiras de praia dobráveis e quatro pneus velhos, esperando a escolha do melhor para ser estepe da camionete.

Entrando em casa pela cozinha, encontramos eletrodomésticos comuns que nem preciso citar. Só digo que tem um Air Fryer, não tem um forno micro-ondas, mas tem um forno comum elétrico e um moedor elétrico de café. Daí uma quantidade impressionante de pratos e talheres, os de todo dia e os “chiques” para as raríssimas visitas e o jantar de Natal. Panelas de todo o tipo, serviços de chá que ninguém usa e montanhas de panos de cozinha nas gavetas. Em cima do armário uma churrasqueira de ferro fundido comprada de impulso o ano passado, e usada acho que umas duas vezes.

Seguindo adiante, novamente as coisas que toda casa possui: sofás, poltronas, mesa de jantar, uma grande mesa de trabalho daquele tipo velho oeste, que se fecha com uma porta corrediça de madeira (bem rara esta, hein!). Três rádios e uma televisão – só uma (tem casas com uma em cada quarto além da Smart de 50” na “sala de TV”, que alcança um número absurdo de canais) e uma boa quantidade de quadros, fotos emolduradas, ornamentos vários, bric-a-brac, alguns odiosos mas mantidos por serem ‘coisas de família’, quatro tapetes. Depois vemos dois Lap Top e dois IPhone.

Sobre as superfícies não caba mais nada

Os livros foram contados anos atrás e eram cerca de 700; hoje devem ter crescido de uns 10%. Um monte de CD´s que ninguém escuta mais, suplantados pelos Spotfy, Music Unlimited, rádios on-line, e outros. Na parte superior das estantes quilos e quilos de documentos e papéis de crescente inutilidade. No andar superior encontramos um armário cheio até a boca de lençóis, toalhas e cobertores. Os móveis de quarto até que são contidos: camas, tapetinhos, criados mudos cheios de bugigangas, algumas poltronas, um armário pequeno para sapatos, uma grande cômoda com três gavetas cheias de camisetas, pulôveres, etc. Depois, guarda-roupas; nada demais em termos de roupas, mas com muitas praticamente em desuso – sob este ponto de vista tem roupa demais. Um aparelho de ar condicionado colocado em um quarto de passagem para que, mantendo as portas abertas refresque um pouco outros dois quartos. Toque de não-consumismo esse (tem casas que tem um ar condicionado em cada quarto).

Já estou saindo da rodovia, a chuva parou definitivamente e em minutos estarei em casa, uma casa classe média média, nada de especialmente afluente, uma casa como tantas outra talvez diferente pelas quantidade de livros e pela falta de aparelhos de TV.

Tem coisas demais seguramente, penso enquanto abro o portão eletrônico; deveria me livrar de algumas coisas. Quais? – quando? – amanhã talvez?

Enquanto isso aquele homem continua seu caminhar, feliz só por que acabou de chover!  

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