Gentes

*** A velhice é serena por que não há mais esperanças, coisas a se fazer (Pasolini).

*** Às vezes meu cão parece triste, talvez por não poder conversar comigo. Eu falo muito com ele, mas a assimetria o entristece.

*** Grande é a audácia dos ignorantes.

*** O restaurante era muito acolhedor embora o dono me pareceu bastante antipático (bem, nem tanto…). Chega o peixe, inteiro, da cabeça à cauda. Na primeira garfada percebi que não estava muito bom. Mas daí eu olhei sua cabeça e seus olhos mortos. Me deu pena – há pouco nadava tranquilo no mar silencioso e foi colhido por uma rede. A sorte não o favoreceu. Achei que era uma falta de amor e respeito àquele belo e desafortunado peixe, dizer que não estava bom. Não, não, estava ótimo, muito gostoso mesmo.  

***  As rosas, que afinal são flores – se dessem frutos, que gosto teriam?

*** As casas antigas não devem ser deixadas sozinhas. Quando as deixamos, às vezes por muitos meses ou muitos anos ou sempre – como é meu caso – devemos lhes deixar um sinal de vida: um livro aberto, preferivelmente numa poesia que fale do tempo, Ou uma flor num vaso que conhecemos desde crianças. E deixar uma réstea de luz a passear pelos quartos no decorrer do dia, que assim engane a velha casa, que pense que estamos ainda lá.

*** Quando a cortina do palco se abre, como dizer de que lado a representação vai acontecer?

*** O amor pelas coisas é civilidade.

*** Não devemos deixar que o passado submerja o presente (Hilary Mantel?).

*** Outro dia vi uma senhora baixinha varrendo furiosamente o tapete rosado que o grande ipê roxo tinha generosamente depositado em sua calçada.

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*** Festejar aniversário / Depois dos anos setenta / Parece coisa de otário / Mas tem quem se contenta.

*** Fato, contexto e conexões – isso é tudo que é preciso.

*** Às vezes, dirigindo em fim de tarde numa estrada, vejo um pássaro cruzando os céus – apressado e em linha reta – e gosto de pensar que está indo para sua casa.

*** A infiltração da memória involuntária no pensamento (mistura de Proust com F. Pessoa).

** “Esperança” – não sei se ainda existe, mas é uma bela palavra.

*** Nos postos de combustível de estradas perdidas deste interior brasileiro, às vezes cachorros abandonados se aproximam silenciosamente com olhos esperançosos, até reconhecer que não somos quem eles esperavam.

*** A boa leitura é um atalho para conhecer a alma humana. (?)

*** O que falta em sensibilidade sobra em egoísmo (a energia no universo é constante).

*** Este é um dos desenhos que uma menininha de uns cinco-seis anos fazia e dava para cada um dos clientes da lojinha de xerox de seu pai. Ela os desenhava na hora. Pai e filha pareciam muito frágeis, inadequados para essa vida feita de cotoveladas e rasteiras. A lojinha faliu, nunca mais os vi.

***

No campo, antes de beber, levantam-se as taças de vinho!

*** Amiga, amigo – não percam a oportunidade de ouvir “Enigma” de Edward Elgar.

*** Cuida-te das pessoas que alardeiam seus sentimentos.

*** Ao que parece, as horas douradas estão se tornando cinzentas (George Eliot – Middlemarch).

*** A leitura amplifica a experiência (idem).

*** Como o voo dos pássaros é mais perfeito e harmonioso que o dos aviões!

*** Fotografar um pássaro em voo é ficar com ele para sempre.

*** Ontem uma linda moça parou em frente ao portão de casa. Ela o fez para ouvir o canto de um pássaro. Conheço esse pássaro, ele canta quase o dia inteiro.

*** A generosidade das árvores frutíferas!

*** O cachorro está entre a criança e o anjo, como mentalidade, como coração e como sentimento (palavras do grande ator italiano Totó).

*** Dizem uns que a vida é uma passagem; outros mais pessimistas dizem que o tempo – ou a vida, que é a mesma coisa – é um rio que corre e cai num buraco sem fundo, que é a morte.

*** Da janela do avião ainda se via a luz do sol – voávamos na luz. Olhando para baixo, a terra já estava mergulhada na escuridão. Deu medo!

*** O livro começa assim: “durante muito tempo costumava deitar-me cedo” e daí mais 5000 páginas, aproximadamente.

*** Gosto das pessoas que ao nos cruzar durante nossos passeios sorriem ao meu cachorro.

*** Os intelectuais são descontentes crônicos.

*** Se você iguala dinheiro com virtude, então considera que a pobreza é consequência dos vícios.

*** Na minha cidade tem uma igreja que possui belas pinturas sacras em seu interior. No forro vê-se uma representação da crucifixão – os personagens estão bem desenhados, especialmente o cavalo e cavaleiro – o animal parece ter visto algo assustador e é com dificuldade que o centurião consegue controlá-lo. Os dois ladrões, o mau e o bom estão nos seus lugares históricos. Mas o que mais surpreende é que a figura central, Jesus, não está. 

As explicações podem são muitas: – o pintor morreu no meio do seu trabalho…; os padres não o pagaram como combinado e ele largou tudo e foi-se embora; a pintura se destacou e caiu na cabeça dos fieis imediatamente embaixo, que foram para o Paraíso junto com o bom ladrão; a pintura não agradou aos padres que apagaram o Cristo; a pintura está inacabada (não, pois está assim há mais de 20 anos) Quem resolveu o problema foi um amigo meu, judeu: “ah, mas é o dia seguinte!”.

*** Experimentamos muitas pequenas mortes – por exemplo, quando não podemos mais voltar a um lugar que amamos ou conversar com alguém que já se foi. A morte final não deve ser muito diferente do somatório destas, acho.

*** Imagine! – o exército russo a 300 metros do bunker de Hitler, e a rádio de Berlim tocando a 5a sinfonia de Bruchner!

*** Próximos a mim andava um grupo de cinco ou seis rapazes. Seis da tarde e suas roupas mostravam que estavam saindo do trabalho, pedreiros, ou coisa semelhante. Pareceu-me que falavam uma língua estranha – imigrantes venezuelanos, haitianos, será? Perguntei: – Vocês são de onde? – Ah, somos do Piauí – E o senhor é daqui? – veio a ingênua e amigável pergunta. Eram jovens e alegres, e um acariciou o focinho do meu cachorro. Estávamos todos parados na calçada esperando atravessar e uma vez do outro lado eles andavam na minha frente conversando alegremente, todos baixinhos, provável falta de proteínas quando crianças lá num fundo sertão do Piauí.

*** O pedestre que timidamente avança sobre a faixa de pedestres e agradece quando o deixam passar sofre de baixa autoestima.

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Frases não minhas estão devidamente creditadas aos autores

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1 comentário em “Gentes”

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