Foguete ou caravela?

O ano de 1969 viu a chegada do homem à lua. Praticamente no mundo todo, trabalho, viagens, reuniões, sono reparador foram interrompidos para assistir à transmissão do evento pela TV. O que se viu foi dois bonecos brancos saltitando sobre um solo poeirento, dum cinza metálico, num panorama monótono e desolador. Mas por várias semanas o que se lia nos jornais, via na TV e ouvia nas ruas eram comentários e loas ao grande feito da conquista da lua e à indômita coragem dos astronautas. A “alunissagem” passou a ser considerada a maior conquista da humanidade. Será mesmo? Pensando no casamento ciência / tecnologia do qual foi gerado o foguete portador, com sua imensa potência, perfeitíssimos sistemas de orientação e controle, e também o futurista módulo lunar, primeiro e único em seu gênero – realmente a viagem se inscreve entre as grandes conquistas tecno científicas da história. Mas com respeito ao Homem, terá sido a maior? As grandes navegações, que posição ocupam com respeito à “conquista” da lua?

Vejamos os respectivos vetores:

(i) foguete SATURNO (1969), cinco motores, 110 m de altura, peso 3000 toneladas, carga útil 50 toneladas, velocidade 11,2 km/seg;

(ii) CARAVELA (século XV), motor a vento (velas), 20 m de comprimento, 50 – 160 toneladas, tripulação de 15 a 60 homens, velocidade 10 – 13 km/h. Contemporânea à caravela aparece a NAU, um pouco maior, com 30 – 40 m de comprimento e 100 a 500 toneladas.

Na viagem à lua o módulo (impulsionado pelo foguete) levava três tripulantes – dois desceram e ficaram pulando e o terceiro, coitado, ficou estacionando o módulo. Esses três passaram por rigoroso treinamento de 2 a 3 anos, com passeio em simuladores e em ambiente submarino, além de inúmeras situações sob micro gravidade. Os candidatos a astronauta devem ter formação técnico científica em engenharia, ou física, ou matemática ou biologia, ser pelo menos bilíngue (exigência dificílima para americanos dos EU!) e ter no mínimo 1000 hs. de voo em jatos. Não falemos das exigências físicas: tudo perfeito, super coração, maratonista, bombadão, etc. (embora nosso senador astronauta pareça um tanto gordinho). Pena que os trajes espaciais os tornassem ridículos, cheios de tubos e fiações, com recolhedores sabemos do quê, sem falar dos fraldões, utilizados nas caminhadas espaciais, um boiar num espaço negro, sem pontos de referência, igual em todas as direções e profundidade.

20 de julho de 1969: início da viagem – já com um pé na poeira lunar

Os marinheiros dos séculos XV e XVI eram bem diferentes. Catados nas tabernas dos portos eram amigos da garrafa e da faca, mal encarados e pouco recomendáveis. Mas eram corajosos, e não piscavam quando se lhes dizia que a navegação iria até as Índias ou tinha como fim encontrar o Eldorado, no recém descoberto Novo Mundo. Ou que iriam além das Colunas de Hércules, assim chamadas por que colocadas pelo próprio herói mitológico para delinear os dois lados do Estreito de Gibraltar. Elas indicavam o limite último e intransponível da Terra até então conhecida. Os navios que navegassem além dessas colunas deixariam o mar Mediterrâneo, tranquilo por que “fechado” e cairiam no Oceano Atlântico, tempestuoso por que aberto e desconhecido. Desde a antiguidade grega murmurava-se que ultrapassado esse limite não havia retorno; os navegadores encontrariam águas turvas, bancos de areia, algas grudentas que aprisionariam os navios, monstros marinhos e furiosas tempestades. Os bancos de areia teriam sua origem no afundamento da Atlântida – outra lenda que vem desde os tempos gregos; Atlântida, uma ilha habitada por uma civilização superior às outras de seu tempo, as quais conquistou até sobrevir o terremoto final.

Os monstros marinhos de além das Colunas de Hércules

Os nautas do século XV, vestiam camisetas de lã e bermudas, casacos de couro quando frio e eram figuras bem diferentes dos astronautas de 1969, enfiados em desajeitados casulos artificiais cheios de tecnologia. Os marinheiros não tinham treinamento nenhum, e sua coragem era ou genuína, inata, ou derivava de não ter nada a perder.

Os astronautas passaram algumas horas no foguete fazendo nada, pois na verdade eram guiados pelo controle de terra. Bem, reconheço que a chegada na lua deve ter sido emocionante, com Armstrong finalmente fazendo alguma coisa – isto é, dirigindo o módulo. Junto com outro astronauta desceu e saltitou em volta do aparelho, não se afastando dele mais que uns 20 m. O chão da lua era cinza e poeirento e cinza era a cor das coisas; não se ouvia som algum pois não havia ar e não havia nada e ninguém; enfim, só de pensar em passar ali uma semana se tanto, acendia um tremendo tédio. De interessante, só a vista da terra, uma gigantesca lua salpicada de nuvens. Pegaram amostras de rocha lunar (coisa que um robô passou a fazer sem risco humano e a menor custo) e voltaram. Ao todo foram sete dias de viagem ida e volta e quase um dia na superfície da lua. Em 56 anos nunca voltaram, o que dá uma ideia da utilidade prática daquela viagem.

Esse foi então “o descobrimento da lua”. As viagens de descobrimento marítimas dos séculos XV e XVI eram bem diferentes – já vimos a diferença dos vetores, os meios de transporte: foguetes e caravelas. A maior diferença, porém, estava nas condições da viagem. Essas eram extremamente inconfortáveis e perigosas; em média, de cada três navios que partiam um afundava, e isso mesmo nos séculos XVI e XVII, que antes era pior. Quanto à tripulação, mais da metade morria na viagem, de escorbuto, fome ou outra qualquer doença. A água era racionada e a comida biscoitos e carne salgada.

Por exemplo, Colombo partiu de Palos (Espanha) com 1 nau e 2 caravelas. Na viagem enfrentou um quase motim da tripulação, desesperada por estar todo esse tempo no mar, comida e água acabando. Navegou de 3 agosto 1492 a 12 de outubro, 3 meses e 9 dias. Perdeu a nau, que se chocou com um recife de corais. Encontrou nativos – os verdadeiros americanos – todos amigáveis, exceto uma tribo que atacou a expedição. Após navegar pelas Antilhas empreendeu a viagem de volta, encontrou uma terrível tempestade que durou dois dias e em março 1493 chegou em uma localidade próxima a Lisboa. Antes de Colombo, Vasco da Gama tinha se aventurado pelo Atlântico com o intuito de alcançar as Índias dando a volta à África, passando pelo terrível Cabo das Tormentas bem merecedor do nome.

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Caravela redonda

Mas a expedição mais afoita, e de espetacular resultado, proporcional às dificuldades, enfrentadas foi a de Fernão de Magalhães o almirante que deu a volta ao mundo. Levaram três anos, partiram com 5 navios e 236 tripulantes, todos fugitivos de alguma coisa: pobreza, amores malsucedidos, a prisão ou a forca. Viram coisas incríveis, o sol e a lua movendo-se ao contrário, peixes voadores e pássaros que mergulham na boca de baleias e lhes comem o coração; dois capitães que tentaram um motim foram decapitados e esquartejados a mando do almirante. Onde os navios aportavam encontravam seres humanos: numa ilha viram homens de um metro de altura com orelhas chegando ao chão; nas ilhas Molucas os índios pensaram que os barcos que chegavam à praia eram filhotes dos navios, e bem mais ao sul encontraram gigantes e aprisionaram dois deles que porém morreram – de escorbuto um e de calor o outro. Ao fim da viagem a tripulação comia ratos e bebia água podre, mas dia após dia se maravilhava com as estranhezas do céu, do mar, e das terras desconhecidas que nunca tinham visto homens brancos

Mas voltaram, era um só navio com a quilha corroída, emborcando água de todos os lados e 18 homens de tripulação. Magalhães tinha ficado nas Filipinas, morto por uma flecha envenenada.

A morte de Fernão de Magalhães nas Filipinas – ele não viu completar-se a volta ao mundo

E então, o que acham mais espetacular e mais representativo da genialidade, coragem e vontade humanas: a tecnológica, asséptica e monótona viagem a um mundo poeirento, cinza, silencioso e desabitado, ou a aventura, maluca, andrajosa, perigosa e corajosa das navegações dos séculos XV e XVI? 

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