Tempos houve em que se pensava que ciência e tecnologia resolveriam todos os problemas da humanidade. O Iluminismo, século XVIII, tinha como elemento central a razão, base da racionalidade que engendrou o método experimental. Foi este que tornou possível a emergência da ciência, e aquele século ficou conhecido como “As Luzes”. Dali a uns 100 anos foi a vez da Revolução Industrial (RI), na qual os princípios científicos estabelecidos no Iluminismo foram libertos para trabalhar e gerar riqueza. Se nesses dois e pouco séculos, ciência e depois tecnologia eram vistas como libertadoras manifestações do progresso, no seu final a feiura das cidades industriais, o nascimento de um proletariado insatisfeito e pobre, e a resultante agitação social as tiraram do pedestal de deusas salvadoras da humanidade.
Logo depois outra indesejável consequência do progresso se fez presente: a mudança climática (MC). E mais outro: a desigualdade econômica, que estudos e a observação prática mostram ser um subproduto da riqueza. De desigualdade falamos em 30/08/2024 no post “Quem tem medo da igualdade?”, e aqui vamos tentar ver se MC e desigualdade econômica estão relacionadas.
Que a MC é um dos maiores perigos para a humanidade já tornou-se lugar comum. Por exemplo, foi calculado que o aumento de 1oC, relativo a tempos pré-RI, provocou:
– duplicação de períodos de temperaturas extremas;
– perda de 40% do gelo da Antártida desde 1979;
– as geleiras mundiais perderam 9 trilhões de toneladas (1961 – 2016);
– aumento de 20 cm no nível do mar desde 1900;
– perda de metade do habitat para 6% insetos, 8% plantas e 10% vertebrados.
E muitos outros danos, alguns irreversíveis para aumentos de 1,5 – 2oC.

Triste efeito colateral do derretimento das geleiras
A maioria dos estudos que procuram estabelecer relações entre distribuição de riqueza e MC focam na identificação dos geradores da MC e dos que sofrem seus efeitos. Assim, em termos de emissões de CO2 (gás que provoca o aquecimento global) ou de carbono – que é a mesma coisa – temos:
– Países mais ricos (16% da população mundial), produzem 40%;
– Países mais pobres (60%), produzem 15%.
Exemplo clássico dos primeiros, os EUA produzem 20 toneladas/pessoa/ano, o dobro do produzido na Europa ou China e dez vezes o da Índia.
Na década de ´70 um famoso estudo baseado num complexo modelo matemático desenhou um cenário catastrófico relacionado principalmente à disponibilidade futura dos recursos naturais. Intitulado Limites do Crescimento, foi elaborado pelo “Clube de Roma” (grupo de pessoas que estudam problemas do meio ambiente, crescimento sustentável, política, economia, etc.). O Limites previa exaustão de recursos minerais e fontes energéticas, associada ao agravamento da poluição atmosférica e das águas, tudo em consequência do aumento populacional. Embora sujeito a críticas o estudo foi fundamental pra despertar consciências sobre a limitação de recursos do planeta Terra e a necessidade de novos modelos econômicos, sociais e ecológicos. Neste início de século a exaustão dos recursos naturais está algo distante (por enquanto) e os desafios mais urgentes são dois: a redução das desigualdades econômicas e a limitação das mudanças climáticas. Não faltam estudos a respeito, mas pulverizados e ainda pouco efetivos. Para despertar as consciências precisamos de um novo Limites do Crescimento focando aqueles dois vetores de crise.

A previsões apocalípticas do “Limites do crescimento”, depois reconduzidas ao razoável, uma vez inserida a variável “desenvolvimento científico e tecnológico”.
Está bem estabelecido, que na média a riqueza mundial está aumentando, mas que ao mesmo tempo a desigualdade aumenta. Observa-se também que o aumento geral de riqueza (de Produto Interno Bruto – PIB), implica em aumento de emissões de CO2, embora de maneira não linear, dependente do estágio de desenvolvimento de cada país. Mas como os efeitos das Mc`s se distribuem na população? – a resposta é que são experimentados principalmente pelo ramo mais pobre. São essas as populações que mais dependem de recursos naturais: pesca, agricultura de subsistência, acesso a água, etc. Ainda, MC´s provocam eventos meteorológicos extremos que a nível local podem significar perdas de colheita, inundações e deslizamentos que afetam casas e pequenas vilas, já que a ocupação de encostas é quase a regra para as populações urbanas pobres. A nível global mudanças climáticas acentuadas provocam a migração de populações inteiras que frequentemente toma tintas trágicas: naufrágios no mar mediterrâneo, hostilidade e xenofobia nas nações ricas, fronteiras muradas, etc.
Quando se estuda a desigualdade entre nações, fica claro que soluções para o hemisfério sul encontram-se inicialmente no aumento de riqueza. Mas quando se analisa o hemisfério norte, observa-se acentuado crescimento da pobreza apesar do alto PIB. Configura-se assim uma situação de tripla injustiça: (i) injustiça econômica; (ii) injustiça de reponsabilidade – os pobres não são produtores de CO2; (iii) injustiça distributiva – os pobres são os recipientes dos efeitos da MC.
A grande questão é o efeito da desigualdade econômica – e de sua abolição – sobre as emissões de CO2. O tema é de grande importância, pois toca no que pode acontecer na evolução para uma economia global mais justa e humana. Seu equacionamento é complexo por encerrar um grande número de variáveis – é como um mecanismo cheio de partes móveis, interdependentes – mas estudos recentes sugerem que a natureza da relação entre desigualdade e emissões de carbono depende do nível econômico – do PIB do país sob estudo. Assim:
Países pobres – aumento da desigualdade – diminuição das emissões;
Países ricos – aumento da desigualdade – aumento das emissões.
Acontece porém que conclusões sobre desigualdade e sua relação com as MC´s são pouco consistentes quando não contraditórias. Assim, estudos envolvendo 65 países indicaram que para países em diferentes estágios de desenvolvimento a relação entre emissões de carbono e desigualdade é bastante tênue. Ainda, sugerem que o impacto da desigualdade na qualidade atmosférica é sempre negativo, independentemente se o país é pobre ou rico, mas é mais acentuado para países ricos, os grandes poluidores.
Parece lógico que o controle das MC´s deva focar os maiores emissores de CO2 por meio de ações, que porém são frequentemente obstadas pelos próprios agentes poluidores: a exemplo, grandes indústrias que contam com lobbies junto aos governos. Recentemente somou-se a crescente demanda de energia pela Inteligência Artificial, geração frequentemente atendida a custo de combustíveis fósseis.

Distribuição do coeficiente de Gini (0 igualdade perfeita, 1 desigualdade total) Notar que no país mais rico do mundo o índice não é muito favorável e também que um Gini = 0 pode referir-se a países paupérrimos!
Ao lado de ações corretivas, tímidas mas já em curso – como energia verde, autos elétricos (cujo deslocamento do problema ‘consumo energético’ ainda carece de estudos), transporte coletivo, reciclagem, conservação das florestas, etc. – o fato de os países ricos serem os maiores poluidores sugere outro campo de ação a eles dirigido: os hábitos de consumo. Por exemplo, per capita/por ano o cidadão americano gasta 52.800 US$, o britânico 36.700 e o brasileiro 6.400, um pouco menos que o chinês.
Já está suficientemente demonstrado que tecnologia, aumento de produtividade e urbanização, invés de distribuir equitativamente a riqueza assim gerada, a dirige a determinados setores da população que a empregam em consumo excessivo. Define-se consumismo como a aquisição de modo compulsivo de bens e serviços absolutamente supérfluos, mas o controle desse modo de vida que alguns conhecem como “american way of life” é muito difícil, pois disponibilidade econômica excessiva, marketing e desejo de status (vulgo vaidade) trabalham contra. É necessário proceder a uma completa mudança de mentalidade através de educação, emergência de valores cívicos e uma boa dose de bom senso.
Combinada com energia renovável, reciclagem, políticas governamentais e taxação, a redução do consumismo via adoção de um modo de vida minimalista ataca a raiz da superprodução e do desperdício ao longo das cadeias de produção, sendo portanto um importante fator para o controle da MC.
Este não é um texto científico, portanto não contém bibliografia. Mas todos os dados aqui apresentados, especialmente os numéricos, foram obtidos de fontes científicas e confiáveis
