Existem quadros que sugerem além do que representam e que inspiram interpretações e significados ocultos que vão do psicanalítico ao histórico. É o caso da ‘Mona Lisa’: segundo Freud do quadro extrai-se (não sei como!) que Leonardo era atraído por sua mãe, outros afirmam que a retratada era na verdade um homem, outros que estava grávida, etc. Depois temos ‘Las Meninas’ de Velasques, com o pintor lá retratado olhando para nós e talvez pintando-nos na grande tela da qual só vemos o verso – diz-se que o Las Meninas sugere que vida e arte são ilusões. Sobre impressionistas e surrealistas pode-se falar durante dias, pense em Dalí, mas o quadro ao que se atribui a maior carga de mistério é do início do século XVI; é ‘La Tempesta’, de Giorgione. Li em algum lugar que são 28 as interpretações! Lá temos duas figuras que a maioria dos críticos diz serem Adão e Eva. Da outra, o bebê, uns dizem ser Caim outros Seth, terceiro filho do casal original. A cidade ao fundo seria o paraíso terrestre e o raio simbolizaria a ira de Deus, que expulsou os dois do Eden. Um entendido identificou como um pelicano a ave branca que se vê sobre o telhado inclinado, à direita no quadro, e disso extraiu doutos significados. A mim parece um simples pombo.
Outros estudiosos são menos fantasiosos e acham trata-se de um soldado e uma cigana, enquanto muitos acham que é só um homem, uma mulher e uma tempestade em preparação.
Tenho sempre um pé atrás com interpretações de intenções do artista, pintor ou escritor que seja. Vai que que, por exemplo, o escritor está simplesmente seguindo com sua trama sem nenhuma intenção de significar isso ou aquilo. Me disseram, porém, que variedade de interpretações é função direta da capacidade do texto conter e expressar valores humanos, históricos, estéticos, etc. – bem, pode ser.
A propósito de significados ocultos um exemplo por mim vivido tem um quadro por objeto. Tal quadro eu admirei na casa de amigos e eles, gentilmente mas algo intrigados acabaram me presenteando com o próprio. Na realidade é uma peça sem valor especial, que denuncia mão hábil mas amadora e mostra um panorama bastante comum que deve ter sido retratado mil vezes: duas árvores e um caminho no meio. Lentamente, porém, como papel fotográfico mergulhado na solução reveladora outras visões e significados foram surgindo – pelo menos para mim.
Pela cor das árvores é outono, a penúltima estação do ano. Portanto estamos chegando a algum tipo de fim. O céu é azul, é verdade, mas uma grande nuvem está se formando. O caminho é em terra, está bem cuidado e é fácil de percorrer. Ele ultrapassa a cerca, curva-se para a esquerda e desaparece. Não se sabe onde leva. O mais relevante é que, não muito bem desenhada, mas está lá, vê-se uma porteira aberta dando passagem livre ao viajante.
O quadro tem nome e data: Lygia, 07.
Os meus amigos me disseram que Lygia era uma amiga da família, não particularmente chegada, mas amiga o suficiente para presenteá-los com o quadro, agora meu. Também disseram que ela faleceu em 2008. O que penso emprestar significado ao outono do quadro
E assim, aos poucos, cada vez que eu via aquela paisagem os símbolos iam se tornando mais claros e mais fortes: o caminho que se curva, desaparece e que leva ao desconhecido, a porteira aberta, como que convidando a seguir por ali, o outono e a proximidade do fim. Ver o quadro se tornou pouco confortável para mim e resolvi bani-lo para um lugar menos visível da casa.
Ele está aí em baixo – gostaria de saber que impressão lhe faz, se o vê como simplesmente uma paisagem amadoristicamente bem feita, ou como um perturbador conjunto de símbolos.
Pode representar a incerteza do futuro
Minha primeira impressão foi positiva, já que a porteira está aberta….significando a oportunidade de seguir em frente. Pode ser que após a curva encontremos algo melhor.
Sua interpretação é mais otimista, portanto melhor do que a minha. É que eu fui influenciado por saber que a pintora faleceu