Pobreza e desigualdade são coisas diferentes; normalmente uma acompanha a outra, mas há exceções. A seguinte simples matriz resume as possibilidades.
País | Desigual | Não -Desigual |
Rico | – | + |
Pobre | ++ | – |
(+) provável (++) muito provável
( -) menos provável
Vemos que mesmo os países mais ricos podem apresentar desigualdades.
Além da frequente confusão entre pobreza e desigualdade, há o problema das técnicas de mensuração. Para pobreza a mais simples adota o critério econômico, e o Banco Mundial estabeleceu em 2,15 USD/dia o limite abaixo do qual o indivíduo é considerado pobre. Esse número – conhecido como ‘Linha Internacional de Pobreza’ – LIP, é baseado num parâmetro chamado ‘Purchasing Power Parity’ (Paridade do Poder de Compra – PPC), que inicialmente calcula-se desse modo:
S = P1 / P2 onde S é a taxa de câmbio das moedas dos países 1 e 2, e P1 e P2 são os preços, em moeda corrente dos mesmos países, respectivamente.
Exemplo
Uma ferramenta de corte custa 10 USD nos Estados Unidos e 30 R$ no Brasil.
Inicialmente temos que converter os reais em USD, portanto, lembrando que 1 USD = 5 R$, temos: (30 / 5) = 6 USD.
Logo, PPC = (6 / 10) = 0,6
Para a situação P1 = Inglaterra e P2 = USA, o mesmo item custando 9 ₤ em P1, com taxa de câmbio 1 ₤ = 1,27 USD, o preço na Inglaterra em USD será igual a 11,4. Logo, PPC = (11,4 / 10) = 1,14.
Com respeito aos EUA, no Brasil o item é mais barato em termos reais e na Inglaterra mais caro nos mesmos termos.
Mas o critério LIP – e também o PPC do qual ele deriva – apresenta várias limitações, por exemplo, baseia-se apenas em renda per capita, portanto foram desenvolvidas outras técnicas. Uma destas é o ‘Multidimensional Poverty Measure’ (Medida Multidimensional de Pobreza – MMP) também idealizado pelo Banco Mundial, que inclui desempenho escolar, acesso à educação, saneamento, acesso a água e eletricidade. Sua aplicação reflete o papel exercido na pobreza por dimensões não-monetárias. A MMP é expressa por um parâmetro denominado ‘Multinational Poverty Headcount Ratio’ (Contagem Individual Multinacional de Pobreza – CIMP), que expressa a proporção de indivíduos que vivem com menos de 2,15 USD/dia e moram em lares desprovidos dos indicadores acima nomeados.
Exemplos de CIMP (%), todos calculados entre 2021 e 2022:
Suíça: 0,2 / Haiti: 46,8 / USA: 0,6 / Itália: 2,5 / Brasil: 4,1 / Chile: 0,5 / Bolívia: 4,5
O 4,1% do Brasil parece pouco, mas esta proporção, multiplicada por 211 milhões de habitantes significa 8,65 milhões!
Um mapa da pobreza no mundo em termos do parâmetro CIMP está reproduzido abaixo, e observa-se que a posição do Brasil e apenas ligeiramente melhor do que alguns países africanos.
É importante entender que o mapa indica a proporção de pobres em cada país, não a riqueza ou pobreza absoluta do país. No post anterior foi dito que o Brasil não é um país pobre; seu GPD ocupa o 9o lugar no mundo, portanto o que o mapa mostra é a distribuição mundial da proporção de pobres, ou quantidade destes quando o percentual é multiplicado pela população inteira.
Distribuição global do CIMP computada em 2022
Um comentário final sobre a evolução da pobreza no mundo: ela está diminuindo, como mostram dados do Banco Mundial em termos de porcentagem de pessoas que vivem abaixo do LIP: 41% em 1984 e 9% em 2022. Outra coisa é variação da desigualdade; está em aumento não apenas nos países pobres, mas principalmente nos ricos.
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Isso para a pobreza. A desigualdade é um pouco mais complicada como critério e como mensurabilidade. O índice de desigualdade utilizado mundialmente é o coeficiente de GINI, que por sua vez deriva da Curva de Lorenz. Esta é uma construção simples que indica o quanto cada fração da população detém da renda total. É construída sobre coordenadas cartesianas XY, onde:
X (eixo horizontal) = % acumulada da população, com indivíduos ordenados por valores crescentes de renda
Y (eixo vertical) = % acumulada da renda da população
A figura mostra um típico gráfico de Lorenz – suas características são:
– A linha reta tem inclinação de 45o, portanto divide o diagrama em dois triângulos iguais e é chamada de ‘Linha de Perfeita Igualdade’. Qualquer ponto sobre ela tem X = Y, significando igualdade absoluta; assim, 20% da população tem 20% da renda, 60% da população tem 60% da renda – e assim por diante
– A linha curva é a ‘Curva de Lorenz’; representa a real distribuição de renda da população à qual se refere. Por exemplo, no caso mostrado 25% da população tem cerca de 10% da renda, 50% tem cerca de 20%, 75% quase 35%, etc. Note que a figura também destaca que 95% da população tem 80% da renda. Obviamente ao restante, 5% cabe o que sobra da renda total, isto é 100 – 80 = 20%. É o extremo rico da população, enquanto os 20% que tinham ficado com menos de 10% da renda são a extremidade pobre.
– A região marcada ‘A’ é a ‘Área de Desigualdade’, e fica claro que quanto maior, maior será a desigualdade na população estudada. Assim, com A = 0 tem-se igualdade perfeita, todos com o mesmo quinhão da renda pois a curva de Lorenz coincide com a linha de perfeita igualdade. Com área da desigualdade = A + B (o triângulo inferior inteiro do diagrama) tem-se desigualdade completa: toda a renda pertence a um só indivíduo.
Gráfico de Lorenz – a posição X = 95 e Y = 80, que significa que 95% da população, tem 80% da renda. Portanto, o restante 5% da população tem o restante da renda, isto é 20%.
A curva aqui mostrada expressa uma situação de desigualdade média. Uma sociedade mais desigual teria a curva de Lorenz mais afastada da linha de perfeita igualdade; a área A seria maior. Para o Brasil, dados recentes (Jan 2024) do relatório da Oxfam mostram desigualdade bem maior que a do exemplo dado acima:
Da renda global (PIB) os 5% mais ricos detém o mesmo que o resto dos brasileiros;
o 1% dos mais ricos detém 63% da renda; – com isso o Brasil é o 8o país mais desigual.
Como já mencionado, a desigualdade pode ser expressa por um número, o índice ou ‘coeficiente de GINI’ (Corrado Gini, estatístico italiano que o desenvolveu em 1912), obtido dividindo-se a área A pela área do triângulo:
G = (A / A+B) = (A / 0,5) = 2A
Obviamente, quanto maior este número, maior a desigualdade, portanto:
GINI = 1: desigualdade completa; toda renda pertence a um só indivíduo
GINI = 0: igualdade absoluta, a renda distribui-se por igual entre os indivíduos
Na maioria das vezes, o coeficiente GINI é dado em porcentagem, tal como expresso na Tabela abaixo.
País | Ano | GINI (%) |
Argentina | 2022 | 40,7 |
Bolívia | 2021 | 40,9 |
Brasil | 2022 | 52,0 |
China | 2020 | 37,1 |
Holanda | 2021 | 25,7 |
Paraguai | 2022 | 45,1 |
Espanha | 2021 | 33,9 |
Reino Unido | 2021 | 32,7 |
Italia | 2021 | 34,8 |
Estados Unidos | 2021 | 39,8 |
O uso do coeficiente de GINI é simples e prático, mas apresenta algumas limitações. Por exemplo, tome dois países com o mesmo GINI, mas um é pobre e outro é rico. No primeiro grande parte da população sofre pela falta de necessidades básicas (alimento, escola, moradia, saneamento, etc.) e no rico há satisfação nas necessidades básicas, mas diferenças no acesso a itens de luxo.
É também possível encontrar países com o mesmo GINI mas distribuição de renda diferentes; isso significa que as curvas de Lorenz tem formas diferentes.
Distribuição global do coeficiente GINI (aqui dado em escala de 0 a 1)
A situação do Brasil é bastante crítica: de fato, dados do IBGE em 2022, mostram que a parcela de 1% dos brasileiros mais ricos tem renda média mensal 32,5 vezes maior que o rendimento médio da metade mais pobre da população. Ainda, em 2022 o País teve o menor resultado no coeficiente de GINI desde 2012, mas seguramente a incidência da Covid-19 deve ter influenciado.
A famosa foto da “região de fronteira” entre a favela Paraisópolis e o Morumbi
Uma pergunta importante se coloca: qual a relação entre pobreza e desigualdade? Em outras palavras, a diminuição da pobreza aumenta ou diminui a desigualdade? Ou não são correlacionadas? Antes de abordar a questão devemos entender de qual desigualdade estamos falando; assim, tomando duas pessoas, dois lares, ou dois países:
– Desigualdade relativa: quantas vezes a renda (ou PIB, se falamos de países) de um é maior do que o do outro, ou: a relação de cada um com a média das rendas
– Desigualdade absoluta: a diferença entre as duas rendas (ou dos PIB´s).
Exemplo
Uma pessoa ganha 1.000 e outra 10.000. A pobreza diminui e cada um dobra sua renda.
Desigualdade relativa para 1.000 e 10.000
(10.000 / 1.000) = 10
Desigualdade relativa para 2.000 e 20.000
(20.000 / 2.000) = 10
– A desigualdade relativa não muda com o aumento da riqueza.
Desigualdade absoluta para 1.000 e 10.000 = 9.000
Desigualdade absoluta para 2.000 e 20.000 = 18.000
– A desigualdade absoluta aumenta proporcionalmente com o aumento geral de riqueza – o mais rico está sempre à frente.
Existe um estudo [Ravaillon M., A poverty-inequality trade-off? J. Econ. Ineq. 3 (2005) 169-181] que trata do problema da relação pobreza – desigualdade. Baseia-se em dados experimentais de pobreza e desigualdade provenientes de 70 países em desenvolvimento, e em resumo suas conclusões são as seguintes:
Não foi encontrado nenhum sinal da pobreza estar correlacionada com desigualdade relativa, significando que alta (baixa) pobreza acompanha alta (baixa) desigualdade relativa. Mas operando com desigualdade absoluta os dados indicam correlação inversa (negativa) entre desigualdade e pobreza. Ou seja, aumento (diminuição) de desigualdade acompanha diminuição (aumento) de pobreza.
É fácil ver que estas conclusões têm importantes implicações para política econômica dos países em desenvolvimento. Por exemplo, se é verdade que diminuindo a pobreza aumenta a desigualdade absoluta, o inexorável destino dos países em desenvolvimento será de gerar polos opostos de ricos e de pobres, a menos que os governos intervenham com políticas sociais efetivas.
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Este não é um texto acadêmico, por isso não conta com a lista de referências utilizadas em sua redação, mas todos os dados e afirmações foram obtidos de fontes confiáveis