Minas Gerais é um estado bem especial, que ao lado de grandes belezas tem os que podem ser chamados de ‘depósitos de dinamite à espera de explodir’. São barragens de rejeitos de mineração, esta que é a atividade que deu nome ao Estado. São 435 ou 367 estruturas (dependendo do banco de dados utilizado). Destas, 300 localizam-se em 20 municípios em que vivem quase 8 milhões de pessoas (20% da população de MG).
Qual a origem desses rejeitos? Primeiramente, definições de alguns termos utilizados em mineração: (i) mineral é qualquer substância que não seja orgânica; (ii) minério é um mineral com conteúdo economicamente interessante; ex.: minério de ferro, minério de cobre, depósitos de fosfato; (iii) taxa de estiramento – TE, é a relação em peso entre o material inerte que deve ser retirado do solo para se obter uma dada quantidade de minério utilizável; quanto maior a TE mais material deve ser rejeitado. Os dois principais minérios de ferro são óxidos: hematita (Fe2O3) e magnetita (Fe3O4), portanto para obter o metal ferro é preciso “arrancar” o oxigênio, mas isso é operação da Metalurgia Extrativa, que não nos interessa aqui. Antes dessa operação é preciso livrar esses óxidos dos minerais em que estão encerrados, que são sílica, um pouco de alumina e outros compostos – isso chama-se rejeito, material com a consistência e aspecto de uma lama. A TE para o Zn vai de 1:2 a 1:6, para o ferro de 1:1 a 1:4, o que significa que a extração de 1 kg de minério de ferro requer a movimentação de 2 a 5 kg de material (1+1 a 4+1). Portanto o rejeito vai variar de 1 a 4 kg de silicatos, alumina, e outros minerais.
Vemos que para o ferro a relação rejeito/minério não é tão grande – no Brasil é mais próxima de 1:1 – então porque as barragens de rejeito dessas minas são tão grandes que chegam a oferecer real perigo? A primeira parte da resposta reside na enorme produção e consumo deste metal, seja sob forma de ferro, seja de aço. Espantosamente, a produção anual de minério de ferro é igual a 2,4 Bi de toneladas, dos quais a metalurgia extrativa obtém 1,6 Bi de ferro. Do Brasil vem cerca de 1/6 desse total, ou seja 440 Mi de toneladas e só a mina de Carajás (Pará) produz 112 Mi de toneladas/ano.

Complexo de Carajás, a maior mina de ferro a céu aberto do mundo
Desses números tem-se uma clara ideia da quantidade de rejeito que as mineradores de ferro devem acomodar o que obriga a construção de barragens muito grandes. Por exemplo, a do Fundão em Mariana – que já não existe mais – continha 60 Mi de metros cúbicos de lama, e a da Casa da Pedra em Congonhas (MG) 66 Mi de metros cúbicos.
Dois são os tipos principais de barragens de rejeito: a jusante (a) e a montante (b). Há também um terceiro tipo que é uma mistura das duas.

Principais métodos de construção de barragens de rejeito de mineração: (a) a montante e (b) a jusante. As setas maiores mostram a direção e sentido de crescimento da barragem.
Percebe-se imediatamente que as barragens a montante são as mais perigosas. De fato, a medida que rejeito é acrescentado é preciso aumentar a altura da barragem, do talude como é chamado o muro fronteiro de contenção. Isto se dá por uma técnica chamada alteamento, que consiste em aumentar paulatinamente a altura desse muro, acompanhando as exigências de armazenamento que por sua vez dependem da produção da mina. O rejeito é “jateado” para o interior da barragem, que portanto compõe-se de material sólido e água. O talude é construído por rochas e rejeito compactado.
Da figura depreende-se que o muro de contenção repousa diretamente sobre o conteúdo da barragem, o que é fonte de instabilidade desse muro. Já vimos que só Minas Gerais conta cerca de 400 barragens; normalmente são grandes estruturas e dessas cerca de 45 estão em condição de risco, afetando 17 municípios.
Quais são os eventos que podem levar à instabilidade e eventual colapso da barragem? A maioria está associada à proporção de água contida, portanto ao regime pluviométrico e à qualidade de manutenção da estrutura; ainda, o aumento de volume de chuvas que parece ser uma consequência das mudanças climáticas (com as quais ninguém parece se importar muito) conspira para o aumento do problema. Outras causas advém de vibrações provindas de explosões de dinamite na mina, tráfego de máquinas pesadas, vazamentos no talude e falha estrutural. O principal mecanismo pelo qual ocorre o rompimento da estrutura é a chamada liquefação, que é ativada pelas causas acima citadas. Lembremos que o rejeito é um agregado de partículas sólidas cujos interstícios são preenchidos com água. As partículas sólidas se tocam em vários pontos e esse atrito mútuo lhes dá resistência mecânica – o rejeito se comporta como uma grande massa coesa. Mas com o aumento da chamada pressão de poro – resultado de excesso de água na barragem – a água afasta as partículas sólidas do rejeito até que o contato entre elas seja perdido. A partir daí o conjunto não tem mais resistência mecânica alguma e passa a comportar-se como um fluido – como uma massa de água – que enquanto encontrar uma inclinação negativa do solo corre e destrói tudo o que encontrar na frente.

Esquema do processo de liquefação de um agregado de partículas de terra e água: ao alcançar uma pressão de poro crítica, as partículas deixam de ter contato uma com as outras – “boiam” – a resistência do conjunto cai a zero e o mesmo comporta-se como uma massa líquida.
No mundo industrial e corporativo, o ‘Fator Lucro’ tem precedência absoluta sobre os outros, e – precavidas – muitas empresas fazem cálculos para avaliar o quanto custaria a perda de vidas humanas no caso de um acidente e o comparam com o custo das providências que o evitariam. Para isso é preciso estimar o número de mortes, e utiliza-se muito uma abordagem proposta pelo engenheiro geotécnico norte-americano Robert Whitman na década de 1980, capaz de quantificar analítica e graficamente as consequências de um acidente, tanto em termos financeiros quanto de potencial de perda de vidas humana. No caso de Brumadinho a Empresa responsável chegou a um valor unitário de 2,6 Mi, em dólares de fevereiro de 2019, que multiplicado pelas 270 vidas perdidas (ou 272 pois duas das vítimas estavam grávidas) significam US$ 758,7 Mi. É muito? Para mim é, para as megacorporações depende – não sei. E para a Empresa, quanto custaria a colocação em segurança de uma barragem como a de Brumadinho? Também não sei. O que sei é que não há limites para o ‘Fator Lucro’ e não devemos nos escandalizar com os fatos da vida – é da lógica capitalista de as grandes corporações darem mais valor ao lucro do que à vida humana; afinal, esta sempre pode ser monetarizada através dos cálculos da ‘Análise Quantitativa de Riscos’, de cujo resultado dependem as decisões do CEO, que age com o bafo dos acionistas no pescoço.
O resultado está nas figuras abaixo – o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão em Brumadinho. O rejeito viajou por 8,5 km até o rio Paraopeba e seguindo este por 300 km chegou ao rio São Francisco, deixando 272 mortes por seu caminho

Três momentos do vídeo do desabamento da barragem de Brumadinho. Atentar que são 11 Mi de metros cúbicos de rejeito.
Vídeo completo: https://www.youtube.com/watch?v=xyhaCbVtR9Q