Em 1887 L.L. Zamenhof, um médico polonês publicou os princípios do que ele achava ser “O idioma universal” – dos principais idiomas pegou partes e abusou bastante do latim, do qual aliás a maioria dos idiomas atuais descende, e assim criou o Esperanto. A ideia era boa mas não deu muito certo e hoje o inglês é um Esperanto “oficioso”. Por que essa diversidade de línguas aí pelo mundo? Ou melhor, antes disso vale a pergunta: qual a origem delas? Há um monte de teorias todas ainda no campo das especulações. Por exemplo:
– Origem divina: o nome das coisas foi dado por Deus a Adão. Na antiga Índia a linguagem veio de Saravati, a esposa de Brama. Experimentos visando verificar a teoria foram realizados sem resultado algum, o que não significa que esteja descartada – ainda pode aparecer o experimento que a verifica, mas não sei não…;
– Imitação de sons naturais: daí vem as palavras onomatopeicas (bang, miau, pingue-pongue, tic-tac);
– Sons de pessoas envolvidas em esforço (teoria yo-he-ho): sons que podem evoluir a palavras;
– Adaptação física: lábios, língua, laringe e faringe humanos são adequados para a emissão de sons. Em particular, nossa laringe (que contém as cordas vocais) é muito diferente da dos macacos;
– Fabricação de utensílios e armas: foi verificado que a manipulação/arranjo de objetos e a vocalização complexa (fala) são funções que no cérebro ocupam o hemisfério esquerdo e são muito próximas. Especula-se então existirem conexões entre essas funções e que a evolução de uma ajude a evolução da outra;
– Genética: hipótese da “capacidade inata” dos humanos para vocalização complexa. Possivelmente uma mutação genética produziu um “gene da linguagem”.
Vai daí que quando as teorias são muitas, significa que sabemos nada ou muito pouco sobre o assunto; é o caso da origem da linguagem.
E vamos à segunda pergunta, o porquê da diversidade das línguas, que são cerca de 7000. Pode-se responder com segurança que existem evidências que línguas derivam umas de outras e nossa habilidade para usá-las está ligada a processos evolucionários ativos ainda hoje. Ainda, os paleolinguistas, ou seja, os que estudam a origem das línguas, especialmente as anteriores à invenção da escrita, elaboraram esquemas tipo “árvore genealógica” que permitem identificar o ancestral comum de famílias linguísticas. Por exemplo a família indo-europeia (línguas germânicas, latinas e muitas outras) descende de uma língua falada na Ucrânia, no Sul da Rússia, e parece, da hoje Turquia.
A hipótese da língua única de origem divina se apoia sobre narrativas da Bíblia, que alguns consideram reais e outros nada mais que mitos. Dentre a enorme constelação de histórias que formam esse Livro uma relaciona-se com a linguagem. É a da Torre de Babel, a explicação bíblica que por muito tempo foi aceita como verdade histórica do porquê existirem os diversos idiomas. Na Bíblia, o trecho referente à Torre é bastante curto e se encontra no capítulo 11 do Livro do Genesis e os protagonistas são os descendentes de Noé, aquele da arca do dilúvio. A passagem bíblica é a seguinte:
Agora o mundo inteiro tem um só idioma e um só modo de falar. O povo se moveu para leste, encontrou uma planície em Shinar e ali se estabeleceu. Disseram, “Vamos fazer tijolos e queimá-los no forno”. Eles usaram tijolos em vez de pedras, e alcatrão no lugar de argamassa. Então eles se disseram, “Vamos construir para nós uma cidade com uma torre que chega aos céus; assim vamos criar um nome para nós mesmos, sem o qual permaneceremos espalhados pelo mundo”. Mas o Senhor veio ver a cidade e a torre que as pessoas estavam construindo. O Senhor então disse, “se como um só povo falando a mesma linguagem eles iniciaram a construir isso, então nada que eles planejem lhes será impossível. Vamos descer e confundir seu idioma para que eles não se entendam entre eles”. E assim o Senhor os espalhou por toda a terra e eles pararam de construir a cidade. E é por causa disso que foi chamada Babel – porque ali o Senhor confundiu o idioma de mundo inteiro. E dali o Senhor os espalhou pela face da terra.
O verbo hebraico ‘babel’ significa ‘confundir’, portanto é um nome apropriado à Torre, cuja destruição confundiu o povo e sua fala. A esse respeito pode-se especular que se houvesse um só povo na Terra e com uma só linguagem, haveria mais harmonia entre os homens.
Houve um tempo em que a Bíblia tinha autoridade absoluta e todos acreditavam nela; mesmo hoje muitos parecem não se admirar da violência a que aquele pobre povo foi submetido – a história da Torre lembra a da expulsão do Paraiso Terrestre: não se podia comer da árvore da sabedoria. Ambas mostram que a humanidade devia manter-se em um estado de humilde sujeição a um Criador, e a ele ser tão obediente como o tal de Abrão, pronto a matar o filho Isaac e depois torra-lo o sobre uma cama de troncos em chamas. Por sorte, com passar do tempo a Era das Luzes – séculos XVII a XVIII – trouxe o primado da razão e essas histórias horríveis recuaram para a escuridão dos mitos. Quaisquer estudo/consideração envolvendo a Torre de Babel, deve levar em conta sua dupla identidade: (i) a Torre bíblica, como escrita em Genesis 11, e (ii) a Torre histórica, real, que provavelmente nada tem a ver com a bíblica e com a confusão de línguas, embora estudos arqueológicos procurem identificar com aquela as ruínas encontradas.
Assumindo inicialmente a origem bíblica da Torre, a literatura nos dá respostas às seguintes questões:
- Quando foi construída;
- Onde foi construída.
A data da construção foi calculada tomando como base o tempo do Êxodo dos judeus, (que migraram do Egito para a Terra Prometida) e o do Dilúvio, sendo a construção da Torre intermediária a essas datas. A figura abaixo é a linha do tempo desses eventos, como está no Gênesis. (Não consigo entender a precisão das datas, indo até o quarto algarismo). Arredondando os números, a Torre teria sido construída cerca de 2000 anos AC.

Linha do tempo de eventos bíblicos associados à Torre de Babel
Um historiador antigo relata que o construtor da Torre foi Nimrod, um tirano que queria afastar de Deus os homens. Quanto à estrutura em si, textos pouco confiáveis dizem ter alcançado uma altura de 2484 metros, o que é claramente impossível, mas em outro relato a Torre teria 212 m. O local da construção é um pouco controverso; o Genesis aponta a terra de Shinar, região no sul da Mesopotâmia, hoje Iraque. O nome ‘Babel’ levou alguns a identificar o local com a cidade de Babilônia, porém os nomes Babel e Babilônia nomeavam diversas cidades no sul da Mesopotâmia, o que acresce a confusão. Em outra versão a cidade de Eridú, também na Mesopotãmia sul poderia ser o local da Torre – um pesquisador fala da existência ali de fundações de um ziggurath (torre) cuja construção foi descontinuada.
Mas os arqueólogos vão além do Genesis e buscam evidências históricas da Torre. Cada anomalia do terreno é vista como sendo seus restos, mas na Mesopotânia encontram-se mais de trinta zigguraths, espalhados por aí desde o IIIo século AC. A primeira escavação remonta a 1616, mas é no final do século XIX que os estudos de campo se intensificaram, e um achado hoje considerado muito relevante é a ‘estela (pedra com escritas e figuras) da Torre de Babel´, que retrata o rei Nabucodonosor II (605 – 562 AC) e o zigurath conhecido como Etemenanki. Este rei reconstruiu e ampliou aquela estrutura, que poderia ser a Torre de Babel.

Parte superior da estela da Torre de Babel. À direita uma figura identificada como rei Nabucodonosor II, segurando o que pode ser uma lança; à esquerda o perfil escalonado do que se acredita ser a Torre.
Em 1899 a uns 15 km a sudeste de Babilônia (Hoje Bagdá) foram encontradas ruinas existentes desde os tempos de Nabuconodosor II. Nelas identificaram-se três construções empilhadas, a superior em forma de quadrado com 91 m de lado. Quanto à altura, um documento antigo (a tablete de Esagila) fala em 90 m, e a estela da Torre de Babel mostra sete andares. Dentre os candidatos à construção da Torre arqueólogos e historiadores apontam Hammurabi (1792 – 1750) rei da babilônia.
A Figura mostra uma foto aérea do lugar – a subida de nível do lençol subterrâneo formou o fosso cheio de água e plantas que circunda a torre . Ao lado a reconstrução imaginária de um ziggurath típico.

Foto aérea do site arqueológico identificado como o ziggurath Etemenanki e reprodução idealizada de como aparecia aos contemporâneos
E ainda hoje muitos aguardam o tempo em que a Torre de Babel bíblica possa se confundir com a Torre de Babel histórica. Pessoalmente, acho isso bastante improvável.
