Buscando ajuda…

Normalmente aeroportos são cansativos e estressantes. Uma vez, vitimado por um persistente atraso resolvi fazer hora na livraria. Saltei as revistas nacionais (que se encontram em qualquer banca de jornal) e as estrangeiras (New Yorker, The Spectator, Forbes – todas absurdamente caras e irrelevantes para mim), e comecei a olhar os livros. O que procurava? – nada de excelso nem muito complicado; um avião não é o lugar para afundar-me em alta cultura – algo curto e interessante, um policial, talvez, ou um livro de contos, flashes de vida. Tinha muita coisa sobre aviões, desastres inclusive (!), mas fugi disso e adentrei na seção dos livros de autoajuda. Logo percebi que esse gênero se subdivide em três subgêneros:

– Ajuda existencial

– Ajuda profissional

– Ajuda espiritual

Olhando os títulos conclui que os de ajuda profissional se sub-subdividem em livros que pretendem te levar ao topo profissional, acotovelando com precisão os colegas (ato também conhecido como liderança) e os que ensinam modos de ganhar muito dinheiro.

Como não podia deixar de ser, no lugar da seção de autoajuda vi o Dale Carnegie – Como fazer amigos e influenciar pessoas. Esse livro anda pelas prateleiras desde 1936 e segundo a Wikipedia – que já começa admitindo basear-se em fontes pouco confiáveis – vendeu cerca de 60 milhões de exemplares (outra fonte fala em 15 milhões), traduzidos em 38 idiomas. Da mesma fonte ficamos sabendo que Dale Carnegie nasceu numa cidadezinha dos EUA, formou-se na desconhecida Faculdade Estadual de Warrensburg, não Harvard ou Stanford, pois. Ainda, somos informados que entre outras coisas vendeu banha de porco, que parece ser um bom artigo para ganhar dinheiro, já que aqui no Brasil Matarazzo iniciou assim sua fortuna.

O próprio título do famoso livro do Dale deveria ser uma contradição em termos. Mas não é, é um golpe de mestre, é uma dupla mensagem. Note que esse título atrai dois tipos de pessoas: (i) os solitários e tímidos, que querem mas não conseguem fazer amigos e claro, amigas também, e (ii) os ambiciosos, que querem superar os outros e fazê-los jogar seu jogo. Desse modo dobra-se o exército de seguidores. 

E na esteira do Dale segue a enxurrada de livros de autoajuda que povoam as livrarias, especialmente essas de aeroporto ou shopping. Vejamos algumas das principais características de cada subgênero.

Os livros de ajuda existencial circulam em torno de um centro comum: livrar-se de comportamentos negativos que só podem te prejudicar. Parece lógico, mas como fazer isso após 150 páginas? Outra linha de autoajuda existencial é o chamado essencialismo; consiste em fazer a coisa certa, identificar o que é vital e ir atrás dela. Mas fazer a coisa certa implica em distinguir o certo do errado. E este é exatamente um dos problemas de ética que por séculos ocuparam e ainda ocupam a mente de inúmeros filósofos, meio chatos sim, mas com pouco mais de cérebro do que os autores de livrinhos de 150 páginas.

O livro fundamental sobre ética. Umas 300 pesadas páginas

Um tema recorrente é a identificação e controle das nossas emoções – a tal inteligência emocional. Seu pressuposto é o autoconhecimento, o famoso ‘conhece-te a ti mesmo’ de Sócrates, fácil falar, difícil conseguir. Um exemplo: sou do tipo que, impressionado pela pobreza das grandes cidades procura fazer sua parte, ajudando com doações. Faço isso por que realmente sinto o problema do “outro”, do faminto, do sem teto – ou minha doação é um modo de proclamar a mim mesmo: “como sou bom, como sou bom!”? E a própria escolha desse exemplo aqui não terá sido ditada para me mostrar empático e humano a quem me lê? Vejam como é complicado conhecer a si mesmo.

No gênero espiritual, majoritariamente temos os livros de “sabor oriental”, produtos de apropriação cultural. A orelha do primeiro que folheei diz que o livro é baseado em conceitos de cristianismo + budismo + hinduísmo + taoísmo + outros. Enfim, nomeie uma religião oriental qualquer e ela estará lá. Ao lado estão livros de Haemin Sunim, que se apresenta como zen-budista; na Amazon ele assina oito títulos – é surpreendente que lhe sobre tempo para meditar. Apropriação cultural sempre me pareceu um pouco suspeita – é como forçar um modo de ver as coisas que nos é alieno, ou por que é chique ou por estar na moda. É a figura do velho sábio oriental com suas frases: “o bambu que se curva é mais forte que … etc. e tal.

A sabedoria oriental do Buda

Passando do espírito para a vulgar matéria, eis livros voltados ao crescimento profissional. O cabeça de série, digno de figurar na mesma estante do Como fazer amigos e etc.”, é o O monge e o executivo. Utiliza como alicerce a história inverossímil de um chaníssimo executivo, gerente geral de uma grande empresa, com dois carros, esposa psicóloga, casa de campo, barco, três filhos maravilhosos.

Afluente família americana da metade do século XX

Mas uma onda de insatisfação aos poucos se insinua nesse perfeito exemplar de americano vencedor e pessoa de bem; parece que a ultima gota foi seu filho John exibindo um brinco na orelha! No trabalho tudo começa a ir mal: os operários da empresa querem se sindicalizar e quase conseguem – nosso herói leva a culpa desse ‘quase’ e sua liderança fica abalada. Daí, deprimido, sob conselho da esposa ele vai passar acho que uma semana num mosteiro beneditino (Pelo menos não de monges trapistas, aqueles com voto de silêncio, que quando se cruzam no claustro nada dizem além de “irmão, lembre-se que deves morrer”) onde encontra um lendário executivo que abdicou de seus bônus anual, mansão, iate e amiguinhas para se enterrar em uma cela de 5 m2. E é desse sábio que naquela santa atmosfera nosso executivo adquire conceitos importantíssimos, como “liderança servidora”, técnicas avançadas de “gestão de pessoas”, o poder da empatia e da autoridade pelo exemplo, e por que não, a tolerância a brincos em orelhas masculinas.

Cela monástica, não muito diferente dos apartamentos de hoje

Aparte a historinha, bastante ridícula e desnecessária, mas que parece ter agradado muito visto o sucesso do O Monge -, todos os livros desse gênero falam em métodos para melhorar o desempenho na empresa, mas sempre sabiamente pintados com cores suaves, como a ‘liderança servidora’, (outra contradição em termos), técnicas de convencimento, que não são nada menos que manipulação de mentes, e exercícios mentais para ‘manter o foco’. O mais incrível é que sabe-se bem que desempenho profissional depende de traços de personalidade adquiridos de experiências passadas, portanto é ingênuo pensar que cento e poucas páginas de obviedades podem conseguir mudanças a nível profundo. Claro, técnicas empresariais podem ser aprendidas, mas de modo mecânico. Elas vem de fora quando deviam ser um movimento que vem de dentro. Mais utópico ainda é resolver problemas existenciais práticos, do dia a dia, cujo tratamento deve ser buscado nas profundezas da psique.

Não existem atalhos fáceis para conseguir sucesso profissional e pessoal. Um requisito para isso é conhecer a si mesmo e aos outros, o que necessita da acumulação e decantação de experiências; A esse respeito, alguém disse que a boa leitura é um atalho para conhecer a alma humana e amplificar a experiência.

No entanto, em defesa de alguns livros de autoajuda, entre ensinamentos propagados meio que à força, há um muito razoável, presente mesmo em boas leituras e no qual eu acredito – desacelerar; desacelerar mesmo até o ócio. Essa palavra está no título de um pequeno livro de Bertrand Russel: Elogio ao ócio. Se achar Russel um pouco extremo temos Domenico de Masi, muito bom com seu Ócio criativo. Aprendi com ele que sem períodos de ‘fazer nada’ nunca teremos boas ideias. 

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