Em 2008 resolvi comprar um Volkswagen e encontrei um 1977 aparentemente perfeito, Branco, parecia ter saído da fábrica cinco anos antes, aparte um leve risco no capô e algumas regiões onde a pintura estava perigosamente fina, defeitos menores que conservei e que não progrediram até o presente. Meu primeiro carro foi um muito rodado 62 azul claro desbotado, e creio que com o 77 quis recupera-lo fisicamente da memória.
Nos anos 60 e 70, possuir um VW era a norma, como mostra a foto abaixo, um congestionamento no vale do Anhangabaú!
Hoje um VW antigo não é exatamente uma raridade; talvez em grandes cidades como São Paulo, Rio, etc. o seja. Mas em cidades médio-pequenas como a minha é visão comum, ocupando uma largo intervalo de conservação: enferrujados e amassados, ou impecáveis, como o meu, por exemplo. Dentre estes há duas classes: os reformados e os conservados. Os conservados tem mais status pois revelam cuidado e amor ao carro. Por outro lado os reformados tem tudo novo, estofamento, revestimento interno, pintura etc., mas podem ter passado por extensiva soldagem e tem muitos componentes não originais. Dirigir um VW, especialmente se em bom estado, chama comentários elogiosos de gente desconhecida. É interessante notar que a maioria é meio avançada em anos, o que implica em identificação com o carrinho; talvez subjacentemente se alegrem que o decaimento que o tempo traz possa ser controlado.
A primeira vez que me sentei ao volante do meu VW 1977, modelo 1978 (!) – conservado – e liguei o motor, sobreveio uma sensação estranha. Engatei a primeira e saí.
Mas não saí para a rua de minha casa como era normal – Na minha mente o carro abordou uma larga avenida margeada de palmeiras, que lá embaixo se abria para uma tranquila praia. O barulho do motor, a simplicidade dos comandos, o formato do para-brisa e do painel, a resposta do volante, tudo isso fez retroceder o tempo para os despreocupados anos em que rodava por aí no meu 62 azul claro. A sensação era a mesma, e se repetiu por muitas vezes. Dirigir era uma festa.
O objetivo da jornada
Vocês devem ter reparado que aqui eu não uso o nome “fusca”, mas o nome da marca: Volkswagen ou VW. É que acho que aquele apelido infantiliza o carro. Idem para aqueles filmes tipicamente Holliwood “Se meu fusca falasse, 1, 2, 3… n, Herbie, etc.”, que faziam do carro uma espécie de palhaço.
Por outro lado, esses filmes ajudaram a popularizar o carro nos EU, embora relegando-o a um mercado de contracultura e estudantes. Difícil para mim avaliar o impacto dos filmes; talvez sem eles o VW não teria adquirido esse perfil, encontraria compradores em outras camadas da população e venderia mais. Não sei. O que sei é que o pequeno carro entrou no mercado americano com 4,7 milhões de unidades; em 1968 chegou a vender quase meio milhão de carros. Isso no meio de verdadeiros paquidermes, cuja irracionalidade chegava ao extremo de beber dois km por litro de gasolina, coisas dessa ordem. Esse Cadillac da foto pesava duas toneladas, tinha quase seis metros de comprimento, um motor V8 com 7700 cm3 de capacidade (capacidade de um motor significa o volume total dos cilindros, seu tamanho enfim). Para efeito de comparação, o motor do VW 1968 tem 1300 cm3.
Cadillac de Ville 1968.
Outra coisa – recentemente li um texto de um amante de VW, que diz que os donos de relíquias que os remetem ao passado (naturalmente os que possuíram um na juventude) não devem utilizar muito o carro, Com o uso a pátina de lembranças tende a escorrer do auto reduzindo a sensação que descrevi lá atrás. Foi o que aconteceu, pelo menos parcialmente pois durante uma dúzia de anos guiava o carro todos os dias. Afinal era meu meio de transporte, mas algo do 1962 azul sobrou até hoje!
Grande VW. Tive vários.