Dia 8 de maio é o dia universal do pássaro migrador. Preparei este post em honra a esses corajosos viajantes de longo curso.
Um pequeno pássaro se prepara para uma longa viagem. Lá onde ele habita – o extremo leste da Russia – o outono chega em agosto, portanto no final do mês ele parte rumo ao sul. É um felosa, pesa umas dez gramas e apesar de sua pequenez não tem medo de enfrentar os 13.000 km que o separam do sudeste da África, para onde vai todos os anos. Chega ao seu objetivo em novembro/dezembro depois de voar cerca de 200 km/dia e parar cinco vezes para descanso.

A migração de três felosas, seguida por mini-geolocadores. Viajaram separadas por centenas de quilómetros, mas chegaram mais ou menos juntas ao objetivo
Outro campeão de distâncias – e velocidade! – é o fuselo; em pouco mais de 150 hs voa os 10 mil km do Alaska à Nova Zelândia e isso sobre o Oceano Pacífico! Esses são exemplos extremos, mas viagens de milhares de quilómetros são comuns. As estratégias variam de espécie a espécie; algumas seguem sempre a mesma rota, outras a mudam a cada ano. Tem quem voa durante o dia aproveitando correntes de ar ascendentes, outras gostam da noite como o pequeno felosa; ele segue as estrelas e tem o dia inteiro para descansar e se alimentar.
Durante séculos pessoas observaram pássaros partir no outono e voltar na primavera e se perguntaram – onde vão? – como se orientam? – como evitam os perigos (fortes ventos cruzados, predadores, caçadores, exaustão)? – como conseguem voltar ao mesmo lugar de onde partiram?
Estudos científicos sobre migração de aves tem apenas 50 anos mas apesar de já termos um bom corpo de conhecimentos chama atenção a presença de observações conflitantes. Para isso contribuem as dificuldades experimentais – deveríamos poder voar junto com as três felosas para melhor entender o mistério de seu voo.
De qualquer modo, aprendemos alguma coisa sobre a migração de aves:
(i) As informações utilizadas na navegação: topografia, memória, sol, estrelas, campo magnético terrestre, odores, ultrassons;
(ii) Características do voo: distâncias, velocidade, altitude.
– conhecimentos esses adquiridos graças às modernas técnicas de rastreamento, navegação satelitar, GPS e novas técnicas experimentais. Dentre estas destaca-se a ‘gaiola de orientação’, que permite observar a atitude da ave ao ser submetida a diferentes solicitações quando em período migratório.

Em A vemos uma gaiola com formato circular e paredes opacas; apenas a visão do céu é permitida. A seta indica pequenos poleiros ligados a sensores que registram a direção que a ave assume (tenta assumir) sob influência de estímulos externos – luz solar ou posição das estrelas, por exemplo – introduzidos por meio de espelhos através de pequenas janelas (não representadas no desenho). Em B vemos a distribuição das direções assumidas pelo pássaro.
Uma viagem consiste em ir do ponto 1 ao ponto 2 e sua realização necessita da operação de duas habilidades: orientação e navegação. A primeira define-se como, estando em 1, estabelecer a direção correta para chegar a 2 o que implica possuir uma “bússola interna”. Navegação é mais complexa – consiste em manter o caminho para chegar a 2, realizando as necessárias correções de rumo.
Informações
(i) Topografia: detalhes do terreno como rios, montanhas e povoados são memorizados e usados em viagens futuras. O pássaro pode voar de um ponto conhecido a outro invés de ir direto ao objetivo. Informações topográficas são especialmente úteis nos estágios finais da migração.
(ii) Posição do sol e das estrelas: estudos em gaiolas de orientação mostram que pássaros adotam uma direção definida pela posição do sol, indicando que se soltos voariam mantendo aquela direção. Claramente, em longos voos, para compensar o movimento aparente do sol no céu eles utilizam seu “relógio biológico” para ajustar sua relação com o sol em diferentes horas do dia. Experimentos em gaiolas mostram que alterando artificialmente a posição do sol (espelhos), ou se o relógio biológico for atrasado ou adiantado (mantendo alguns dias o pobre pássaro em uma sequência luz-escuridão defasada da hora local) ele toma rumo determinado pela condição assim simulada. Ainda, a posição do sol poente no horizonte é muito importante na transição dia-noite.
À noite a excelente visão das aves, combinada com seu relógio e “calendário” biológicos permite eleger como referência a lua ou constelações, compensar seu movimento no céu e obedecer à orientação original via manutenção de determinados ângulos com a referência. Assim, como na navegação diurna, desvios causados por exemplo por ventos cruzados, são continuamente corrigidos.
A importância das estrelas como guia para navegação foi testada levando gaiolas de orientação a planetários. Lá, alterando artificialmente a posição do céu observou-se que os pássaros se alinham às direções selecionadas pelo experimentador.
Por fim, o mais extraordinário é que ao cruzar o equador as aves adaptam-se ao novo céu estrelar, que como sabemos é diferente em cada hemisfério, e automaticamente escolhem as novas referências.
(ii) Campo magnético terrestre: partindo do centro nosso planeta é composto por ferro (Fe) sólido, depois ferro e níquel (Ni) líquidos, seguindo-se o manto e a crosta. Com a rotação da Terra o Fe e Ni líquidos se movimentam formando espirais que geram eletricidade. Sabe-se que uma corrente elétrica produz um campo magnético em torno de si, e essa é a origem das linhas de fluxo magnético que saem do polo sul e entram no polo norte. A distribuição da intensidade deste fluxo é mostrada na figura – é maior nos polos que no equador, portanto capaz de indicar latitudes. Será uma das linhas de igual intensidade de fluxo (isomagnéticas) que o pássaro vai seguir (ou manter determinado ângulo com a mesma).
Mas como consegue? – foi descoberto que pombos e outros pássaros possuem células contendo magnetita (óxido de ferro) no bico e também no ouvido interno. Recentemente surgiram sugestões que aves podem ver campos magnéticos e assim segui-los; é um efeito quântico, mas aí vamos nos perder nos meandros da física! Basta dizer que uma proteína localizada na retina da ave é sensível a campos magnéticos.
Como guia, o campo magnético encontra-se na encruzilhada de evidências conflitantes; por exemplo, pequenos imãs aplicados ao bico de pombos não parecem alterar sua navegação (mas deviam); em outros experimentos campos magnéticos artificialmente produzidos não parecem confundir os migrantes. Por fim deve-se levar em conta que a atividade solar perturba o campo magnético, e que a superfície terrestre apresenta anomalias (variações de intensidade de fluxo).
Além das citadas, outras fontes de informação parecem ter relevância: odores e ultrassons, mas os estudos são ainda bem preliminares.

Representação do campo magnético da terra. A intensidade do campo varia dos polos para o equador (do vermelho para o amarelo e para o azul).
Resta dizer que uma variável importante do processo migratório é a idade da ave. Os jovens só dispõem da bússola interna e ainda não sabem operar as ferramentas de navegação – topografia, sol, estrelas, magnetismo, etc. Vai daí que, infelizmente na primeira migração apenas 30% dos pequenos pássaros sobrevive.
Por fim, informações sobre duas características do voo migratório:
Velocidade: aparentemente, 50 km/h é um valor razoável para voo planado, mas patos e gansos alcançam facilmente 60 – 70 km/h. Pássaros grandes são mais velozes que os pequenos e o voo em grupo é mais veloz que o solitário. Voos de 10 hs são comuns, e corvos, águias e garças vencem facilmente distâncias de 150 a 400 km por dia. Algumas espécies tem muita pressa de chegar, outras são mais tranquilas e se permitem longas paradas intermediárias.
Altitude: difícil de avaliar, mas parece que 95% das espécies voa abaixo dos 3000 m, geralmente 1000 m. Foram observadas aves a 5000 m e um alpinista no Himalaia avistou um grupo de gansos a quase 10.000 m; outros observadores, estando a 5000 m viram garças e cegonhas apenas com ajuda de binóculos. Aves marinhas foram vistas a 5 – 7000 m, mas pequenos pássaros mantêm-se a 150 – 300 m apenas. Voar a grande altura dá boa visão, expande o horizonte ajudando assim a navegação, mas imaginem o frio e a rarefação do oxigênio.
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Comporta é um pequeno lugarejo no sul de Portugal. Lá quase todas as casas tem chaminés, que no verão são habitadas por garças retornando da África. Apontando ao telhado de sua casa, seu morador me disse: “ah, minha amiga chegou – benvinda seja!

– Mas é a mesma? – como sabe?
– A cor das penas, é claro; e já fazem anos que volta aqui – sua precisão é centimétrica!